Monday, February 25, 2013

Banho de chuva.

Desceu do ônibus e pisou numa poça. Amaldiçoou. Tirou os fones de ouvido para prestar maior atenção ao trânsito e atravessar com segurança, uma mania relativamente chata que adquirira graças a uma notícia trágica passada na televisão.
Chovia.
Forte.
Esquecera do guarda-chuva.
Já estava encharcada.
Ao menos estava chegando em casa.
Atravessou a avenida movimentada e adentrou na rua em que morava. Colocou os fones de volta nos ouvidos e colocou uma música saltitante, como a própria gosta de chamar. Perifericamente, notou que apenas ela preenchia a rua. A vizinhança havia se recolhido e nem ao menos carros passavam pela via asfaltada.
Mordiscou o lábio conforme uma ideia um tanto travessa lhe atravessava os pensamentos. Checou se alguma viva alma caminhava atrás dela... Ninguém. Aumentou o volume da música. Sorriu como uma criança que está prestes a fazer algo proibido pela mãe.
Parou de andar, elevou a cabeça em direção ao céu e apenas sentiu a chuva tocar seu rosto como dedos invisíveis a massagear suas pálpebras fechadas. Abriu os olhos e respirou fundo. Sentiu o cheirinho único da chuva. Mediu a distância que a separava de sua casa e correu, saltitou, escorregou e quase caiu.
Gargalhou.
Há quanto tempo não gargalhava daquela maneira? Livre... Sem motivos reais? Apenas gargalhar por gargalhar? Não se lembrava.
Chegou em casa rindo, molhou as lajotas rindo, brincou com os cachorros rindo, trocou de roupa rindo.
Terminou o dia rindo.


Sunday, February 24, 2013

I-Juca-Pirama.

"Valente e brioso, como ele, não vi!"



Como citei no post “Quanto a Gonçalves Dias...”, foi-me dito que este poeta havia apenas produzido I-Juca-Pirama. Ora, após alguns momentos de reflexão enquanto o lia, peguei-me pensando caso tal poema é conhecido ao redor do país. Por exemplo, pergunte a qualquer estudante de pré-vestibular em meu estado e ele saberá falar a escola, estrutura, personagens, temática, enredo e divisão do poema. Como uma verdadeira ex-vestibulanda, venho aqui para dizer-lhes.
Para começar, falemos da escola e do estilo. Gonçalves Dias é o maior representante da primeira geração romântica. Indianista, modelando os costumes indígenas a seu bem-querer, de modo a formar uma visão altamente idealizada, como se vê na referência religiosa, citando um deus não compatível com a cultura.¹ É um poema narrativo, porém não é de gênero épico e sim lírico, perpassado pela subjetividade e sentimentos do poeta. Quanto a estrutura dos versos... Gonçalves Dias alterna dentre versos longos, estes sendo mais lentos e voltados para descrições, e versos curtos, remetendo à sonoridade do rufar dos tambores indígenas. Na verdade, esta é a razão de meu gostar deste poema. Quando lido em voz alta, a sonoridade dos versos é impressionante.
O personagem principal possui um nome interessante. I-Juca-Pirama, em uma tradução livre da língua tupi, significa “o que há de ser morto; o que é digno de ser morto”. Leitor amigo, guarda esta informação, voltaremos a ela dentro de alguns instantes.
Basicamente, I-Juca-Pirama é feito prisioneiro pela tribo dos Timbiras e estava prestes a ser morto (e aqui cabe uma referência à antropofagia). Porém, ao ser dada a chance do canto de morte² ao índio Tupi (I-Juca-Pirama), este roga para ser liberto, pois seu pai é cego e o aguarda floresta adentro. Alega que, caso não volte, o ancião morrerá. Veja, leitor, que ultraje! Um índio, em face da morte, não implora por liberdade. Fraqueza. Os Timbiras o deixam ir, I-Juca-Pirama já não é digno de morte.
O Tupi encontra seu pai e começam uma caminhada. Qual não é a coincidência que seus passos os levam à tribo Timbira. O velho Tupi pede acolhimento, o chefe Timbira esclarece o ocorrido. O pai de I-Juca-Pirama pronuncia uma maldição ao filho, o renegando como de seu sangue.³ I-Juca-Pirama prova sua força matando a tudo e a todos que vê pela frente. Prova sua força e coragem. É I-Juca-Pirama, guerreiro digno de morte. Ao final do poema, nos é mostrado o narrador da história, um índio que era moço na época do acontecido e que, agora, espalha a história do jovem Tupi.4
                                                                                      

¹"
Eu era o seu guia
Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou"
    
²"
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi."
    
³"
'Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descente o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!' "
    
4"
E à noite nas tabas, se alguém duvidava
     Do que ele contava,
Tornava prudente: 'Meninos, eu vi.' "

Friday, February 22, 2013

Quanto a Gonçalves Dias...

Gonçalves Dias, Gonçalves Dias... Pois que discuti por tua causa em uma dessas tardes passadas. Acreditas, indianista, que ousaram me dizer que o único poema que escreveste fora I-Juca-Pirama? Quando insisti que não, afirmaram que era, então, o único que "prestava". 
Gonçalves Dias, queira perdoar minha falta, mas não conheço tua obra completa. Conheço, entretanto, um ou dois poemas que tocaram romanticamente esta alma que luta por ser racional. Criou-se o impulso de postar ao menos um deles neste blog. 

                                                                                                  

Não me deixes

Debruçada nas águas dum regato
A flor dizia em vão
À corrente, onde bela se mirava...
"Ai, não me deixes, não!

"Comigo fica ou leva-me contigo
"Dos mares à amplidão,
"Límpido ou turvo, te amarei constante;
"Mas não me deixes, não!"

E a corrente passava; novas águas
Após as outras vão;
E a flor sempre a dizer curva na fonte:
"Ai, não me deixes, não!"

E das águas que fogem incessantes
À eterna sucessão
Dizia sempre a flor e sempre embalde:
"Ai, não me deixes, não!"

Por fim desfalecida e a cor murchada,
Quase a lamber o chão,
Buscava inda a corrente por dizer-lhe
Que não a deixasse, não.

A corrente impiedosa a flor enleia,
Leva-a do seu torrão;
A afundar-se dizia a pobrezinha:
"Não me deixaste, não!"
Gonçalves Dias.

Wednesday, February 20, 2013

Carpe diem?


Carpe diem! Carpe diem. Carpe diem? Como? Como posso viver “hoje” como se não houvesse o “amanhã”? Tenho chances o suficiente de “amanhã” existir para mim para que eu o ignore completamente. Não posso e simplesmente não consigo tal proeza. 
Posso viver cada minuto em sua total essência como se fosse de necessidade vital para mim. Consigo minimizar meus problemas a simples vírgulas em meu caminho, nunca os dando a oportunidade de tornarem-se pontos finais. Consequentemente, não perco mais que o mínimo possível de tempo com brigas, discussões ou dificuldades. Acabo ficando mais saudável com isto, até.
Em minha concepção, carpe diem é apenas a capacidade humana de sorrir para a vida em si. Com ou sem problemas, com motivos ou sem motivos aparentes para o restante do mundo.
É pensar no futuro, sim. Esperando que ele seja melhor que o instante passado e, caso tenha a possibilidade de ser pior, lutar para mudá-lo. Esforçar-se para que apenas a prosperidade surja no horizonte.
É nunca se deixar abater ou deprimir. Sempre é tempo de consertar algum erro, por maior que este seja. É nunca desistir de ser feliz. Todos somos iguais. Então, se um tem a capacidade de ser feliz, não vejo razão para que todos não consigam ser, também.
Portanto, dê “Bom-dia!” para as pessoas, sorria, seja agradável e sincero, troque de assunto quando a conversa margear uma eventual discussão e cultive os sentimentos ao seu redor...
Em suma, carpe diem!


Escrito em 11 de abril de 2011, 
como treino para um tal vestibular  
e com certas alterações. 

Saturday, February 16, 2013

Uma dança...

A moça sorriu ao avistá-lo no meio da pequena multidão que se juntara ao redor da banda e das várias pessoas que dançavam ao som da música batida. Alguns haviam retirado os calçados para "sentir melhor a melodia", segundo eles próprios.
Ela não costumava dançar na frente de estranhos. Na verdade, ela não costumava dançar na frente de pessoa alguma, mas faria uma exceção para aquele moço. Suspirou, estava nervosa apenas de pensar que todas aquelas pessoas a veriam, a assistiriam. Ele, principalmente. Estalou a língua, frustrada. Soltou uma ou duas maldições sussurradas, para que ninguém as escutasse, e deu um passo hesitante em direção ao centro da roda. Sorriu mais uma vez de sua própria covardia e resolveu soltar os longos cabelos negros, mais para ganhar tempo que por vontade. Fechou os olhos por um instante, sentindo o calor do sol, já se pondo, em suas maçãs do rosto e a carícia de seus cabelos em seus braços. 
Poderia estar louca, mas não dançaria para alguém. Nem mesmo para o seu moço. Dançaria para ela. Sim, aquela dança seria um símbolo, um marco. Não deixaria que sua covardia a comandasse novamente. Jamais. Sendo assim, juntou um pedaço de sua saia rodada em cada punho, sorriu decidida e adentrou na confusão de pessoas dançando sem um parceiro realmente determinado. 
O chão, molhado pela chuva diária da região, abafava os passos ritmados das pessoas. Risos se escutavam e a platéia improvisada começou a bater palma para os dançarinos amadores. 
Nossa morena chamou tanta atenção como as outras moças que ali se encontravam. Dançou com tanto gosto como qualquer outro. Rodou sua saia com tanta maestria quanto as outras. Sorriu tão belamente como nenhuma outra.
O moço, para quem a dança foi primeiramente endereçada, acabou por notá-la como a mais bela daquela roda de dança. A morena, entretanto, estava mais ocupada desfrutando de sua liberdade que nem percebeu a atenção antes tão desejada.


Wednesday, February 13, 2013

Um sonho de Pierrot e um beijo de Arlequim.

Quem nunca escutou falar quanto ao triângulo amoroso de Pierrot, Colombina e Arlequim? Ah, todos. 
O trio nasceu do estilo teatral Commedia dell'Arte, nascido na Itália do século XVI.
Comecemos a falar com o Arlequim, que é debochado, espertalhão e malandro que sempre tenta vender a imagem de inocente e ingênuo. Faz travessuras com todos e sempre consegue escapar ileso das confusões criadas. No Brasil, o folclore diz que Arlequim anda pelas ruas na época do carnaval a procura de sua Colombina. Sempre vestido com roupas coloridas e com formas de losangos.
Do outro lado do triângulo amoroso, temos o tristonho Pierrot. Seu nome original é Pedrolino, batizado de Pierrot na França, que em uma tradução livre significa "pardal" ou "pardalzinho", e assim é conhecido ao redor do mundo. Pierrot era o mais pobre, suas roupas eram feitas de saco de farinha, não usava máscara e tinha o rosto pintado de branco. Sua personalidade era pacífica, ingênua e muitas vezes era chamado de bobo. É conhecido pelos seus lamentos quanto ao amor de Colombina.
Analisemos a Calombina, então. Seu nome vem do italiano, como se é implícito, onde colombina significa nada menos que "pombinha". Nossa querida moça é uma criada tão fina quanto sua ama, conhecida por sua beleza, inteligência, ironia, humor rápido e voz. Sim, Colombina cantava e dançava alegremente para encantar os espectadores. Fica, a princípio, confusa quanto a quem devotar seu amor: Arlequim ou Pierrot? 

"Ouvi, atentos, pois meu amor se compõe do amor de todos dois. (...) Pudesse eu repartir-me e encontrar minha calma dando a Arlequim meu corpo e a Pierrot, a minh’alma!"

Ao final, acaba por escolher o Arlequim.
A questão que sempre fica rondando a mente de quem lê sobre este trio é com quem Colombina deveria ter ficado. Acaso fez ela a escolha certa ao ignorar o amor do pobre Pierrot? Ou era o Arlequim quem merecia sua escolha, de fato? 



Wednesday, February 06, 2013

Há dias...

Há dias em que me dou conta o quão insignificante sou no meio da multidão. 
Há dias em que percebo o quão só estou, mesmo que inserida em meio de tantas pessoas.
Há dias em que penso o que, afinal, estou fazendo aqui.
Há dias em que sei que faço diferença na multidão.
Há dias em que noto que não estou realmente sozinha.
Há dias em que vejo que não importa, realmente, o sentido da vida.
Há dias em que lembro do pessimismo passado e me pergunto como sou capaz de construir dias assim.
Há dias em que escolho apenas não pensar, tendo em vista que entro em contradição comigo mesma.

Friday, February 01, 2013

Sim, leitor, sim.

Sim, leitor, dói. Por vezes me esqueço de minha decisão tomada e tento retirá-la de mim, mas, então, lembro que não posso. Paguei caro por ela e nela continuarei meus dias. Quando quieta, a dor vai embora. Parece que prefere importunar outro alguém. Mexo-me e ela volta para mim, me lembrando, me torturando. 
Comer já não tem graça, beber já não é a mesma coisa e inclusive escovar os dentes me lembra de minha escolha. 
Sim, querido, sim. Ficarei com esta dor e mesmo assim sorrirei. Pouco me importa se me olharão de modo estranho, caçoarão de mim ou mais ainda me machucarei.
Será pouco tempo, assim espero, até retirar este maldito aparelho dentário.